segunda-feira, 26 de dezembro de 2016
sexta-feira, 23 de dezembro de 2016
quarta-feira, 21 de dezembro de 2016
Já só faltam uns minutos para o longo Inverno
Quando partires
se partires
terei saudades
e quando ficares
se ficares
terei saudades
Terei
sempre saudades
e gosto assim
se partires
terei saudades
e quando ficares
se ficares
terei saudades
Terei
sempre saudades
e gosto assim
Adília Lopes, no Caderno
domingo, 18 de dezembro de 2016
terça-feira, 13 de dezembro de 2016
segunda-feira, 5 de dezembro de 2016
Uma parte de mim é só vertigem...
Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
Traduzir-se de Ferreira Gullar em Na Vertigem do Dia
sexta-feira, 2 de dezembro de 2016
Corpo ante o abismo
Não quero o primeiro beijo:
basta-me
O instante antes do beijo.
Quero-me
corpo ante o abismo,
terra no rasgão do sismo
O lábio ardendo
entre tremor e temor,
o escurecer da luz
no desaguar dos corpos:
o amor
não tem depois.
Quero o vulcão
que na terra não toca:
o beijo antes de ser boca.
basta-me
O instante antes do beijo.
Quero-me
corpo ante o abismo,
terra no rasgão do sismo
O lábio ardendo
entre tremor e temor,
o escurecer da luz
no desaguar dos corpos:
o amor
não tem depois.
Quero o vulcão
que na terra não toca:
o beijo antes de ser boca.
O Instante antes do beijo de Mia Couto, em Tradutor de Chuva
terça-feira, 29 de novembro de 2016
quinta-feira, 24 de novembro de 2016
sexta-feira, 18 de novembro de 2016
quarta-feira, 16 de novembro de 2016
bem me quer mal me quer
A vida podia ser apenas estar sentado na erva, segurar um malmequer e não lhe arrancar as pétalas, por serem já sabidas as respostas, ou por serem estas de tão pouca importância que descobri-las não valeria a vida de uma flor.
José Saramago em o Memorial do Convento
terça-feira, 15 de novembro de 2016
Linda Lua, meu amor...
imagem de JES
São demais os perigos desta vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.
Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer, de tão perfeita.
Uma mulher que é como a própria Lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua
Vinicius de Moraes
sexta-feira, 11 de novembro de 2016
sexta-feira, 4 de novembro de 2016
quinta-feira, 3 de novembro de 2016
Pour toi...
Les femmes sont amoureuses et les hommes sont solitaires. Ils se volent mutuellement la solitude et l’amour
René Char
quarta-feira, 2 de novembro de 2016
Os meus mortos imortais...
Os meus mortos levaram consigo, de mim, palavras, memórias, dias, lugares, desígnios, incertezas; os seus olhos guardam para sempre o meu rosto, os seus ouvidos a minha voz. Também eu morri com eles, e também eu, o que fiquei, me perdi fora de mim. Onde quer que eles estejam agora, quem quer que sejam agora, estou, pois, junto deles. E pertencem-me, tanto quanto provavelmente eu lhes pertenço.
Manuel António Pina em Por outras palavras
André, Mário, Dionísia, Alice, Lídia, Rosa, Félix, Rui, todos convocam memórias de outras vidas, minhas vidas...
segunda-feira, 31 de outubro de 2016
De quanta chuva precisa o coração?
Pega no arco, Íris!
pega no arco.
Como o arco, Íris, nada é completamente a direito
E há coisas que só aparecem
Quando se enfrenta a chuva.
A distância certa é uma Emoção
Não tem regra o arco, Íris.
Diz-se que a música aparece no mesmo ar que respiras.
Só o vácuo é seguro e estanque.
Só sei que ele é curvado: o arco, Íris.
E tem na curvatura raio de acção
De quantas cores existem na Emoção
De quanta chuva precisa o coração
De quanto sol precisa a chuva.
pega no arco.
Como o arco, Íris, nada é completamente a direito
E há coisas que só aparecem
Quando se enfrenta a chuva.
A distância certa é uma Emoção
Não tem regra o arco, Íris.
Diz-se que a música aparece no mesmo ar que respiras.
Só o vácuo é seguro e estanque.
Só sei que ele é curvado: o arco, Íris.
E tem na curvatura raio de acção
De quantas cores existem na Emoção
De quanta chuva precisa o coração
De quanto sol precisa a chuva.
Júlio Resende numa crónica da Visão
quinta-feira, 27 de outubro de 2016
segunda-feira, 24 de outubro de 2016
sexta-feira, 21 de outubro de 2016
terça-feira, 18 de outubro de 2016
segunda-feira, 17 de outubro de 2016
sexta-feira, 14 de outubro de 2016
quarta-feira, 12 de outubro de 2016
sexta-feira, 7 de outubro de 2016
quinta-feira, 6 de outubro de 2016
terça-feira, 4 de outubro de 2016
e... deixas o verão deslizar de mansinho para o cobre luminoso do outono
para te manteres vivo - todas as manhãs
arrumas a casa sacodes tapetes limpas o pó e
o mesmo fazes com a alma - puxas-lhe brilho
regas o coração e o grande feto verde-granulado
deixas o verão deslizar de mansinho
para o cobre luminoso do outono e
às primeiras chuvadas recomeças a escrever
como se em ti fertilizasses uma terra generosa
cansada de pousio - uma terra
necessitada de águas de sons de afectos para
intensificar o esplendor do teu firmamento
passa um bando de andorinhões rente à janela
sobrevoam o rosto que surge do mar - crepúsculo
donde se soltam as abelhas incompreensíveis
da memória
luzeiros marinhos sobre a pele - peixes
que se enforcam com a corda de noctilucos
estendida nesta mudança de estação
arrumas a casa sacodes tapetes limpas o pó e
o mesmo fazes com a alma - puxas-lhe brilho
regas o coração e o grande feto verde-granulado
deixas o verão deslizar de mansinho
para o cobre luminoso do outono e
às primeiras chuvadas recomeças a escrever
como se em ti fertilizasses uma terra generosa
cansada de pousio - uma terra
necessitada de águas de sons de afectos para
intensificar o esplendor do teu firmamento
passa um bando de andorinhões rente à janela
sobrevoam o rosto que surge do mar - crepúsculo
donde se soltam as abelhas incompreensíveis
da memória
luzeiros marinhos sobre a pele - peixes
que se enforcam com a corda de noctilucos
estendida nesta mudança de estação
Mudança de Estação de Al Berto, em Horto de Incêndio
sexta-feira, 30 de setembro de 2016
Lua negra...
Tenho fases, como a lua,
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.
Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...).
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.
Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...).
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...
Cecília Meireles, Lua Adversa in Vaga Música
terça-feira, 27 de setembro de 2016
sexta-feira, 23 de setembro de 2016
quinta-feira, 22 de setembro de 2016
quarta-feira, 14 de setembro de 2016
terça-feira, 13 de setembro de 2016
quinta-feira, 8 de setembro de 2016
terça-feira, 6 de setembro de 2016
Mais do que a paixão, os seus motivos...
Segunda Carta I, Novas Cartas Portuguesas, de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa
sexta-feira, 2 de setembro de 2016
Meu amor querido
Adoro-te minha gata de Janeiro meu amor minha gazela meu miosótis minha estrela aldebaran minha amante minha Via Láctea minha filha minha mãe minha esposa minha margarida meu gerânio minha princesa aristocrática minha preta minha branca minha chinezinha minha Pauline Bonaparte minha história de fadas minha Ariana minha heroína de Racine minha ternura meu gosto de luar meu Paris minha fita de cor meu vício secreto minha torre de andorinhas três horas da manhã minha melancolia minha polpa de fruto meu diamante meu sol meu copo de água minhas escadinhas da Saudade minha morfina ópio cocaína minha ferida aberta minha extensão polar minha floresta meu fogo minha única alegria minha América e meu Brasil minha vela acesa minha candeia minha casa meu lugar habitável minha mesa posta minha toalha de linho minha cobra minha figura de andor meu anjo de Boticelli meu mar meu feriado meu domingo de Ramos meu Setembro de vindimas meu moinho no monte meu vento norte meu sábado à noite meu diário minha história de quadradinhos meu recife de Manuel Bandeira minha Pasargada meu templo grego minha colina meu verso de Höderlin meu gerânio meus olhos grandes de noite minha linda boca macia dupla como uma concha fechada meus seios suaves e carnudos meu enxuto ventre liso minhas pernas nervosas minhas unhas polidas meu longo pescoço vivo e ágil minhas palavras segredadas meu vaso etrusco minha sala de castelo espelhada meu jardim minha excitação de risos minha doce forquilha de coxas minha eterna adolescente minha pedra brunida meu pássaro no mais alto ramo da tarde meu voo de asas minha ânfora meu pão de ló minha estrada minha praia de Agosto minha luz caiada meu muro meu soluço de fonte meu lago minha Penélope meu jovem rio selvagem meu crepúsculo minha aurora entre ruínas minha Grécia minha maré cheia minha muralha contra as ondas meu véu de noiva minha cintura meu pequenino queixo zangado minha transparência de tules minha taça de oiro minha Ofélia meu lírio meu perfume de terra meu corpo gémeo meu navio de partir minha cidade meus dentes ferozmente brancos minhas mãos sombrias minha torre de Belém meu Nilo meu Ganges meu templo hindu minha areia entre os dedos minha aurora minha harpa meu arbusto de sons meu país minha ilha minha porta para o mar meu manjerico meu cravo de papel minha Madragoa minha morte de amor minha Ana Karénine minha lâmpada de Aladino minha mulher.
Adoro-te minha gata de Janeiro meu amor minha gazela meu miosótis minha estrela aldebaran minha amante minha Via Láctea minha filha minha mãe minha esposa minha margarida meu gerânio minha princesa aristocrática minha preta minha branca minha chinezinha minha Pauline Bonaparte minha história de fadas minha Ariana minha heroína de Racine minha ternura meu gosto de luar meu Paris minha fita de cor meu vício secreto minha torre de andorinhas três horas da manhã minha melancolia minha polpa de fruto meu diamante meu sol meu copo de água minhas escadinhas da Saudade minha morfina ópio cocaína minha ferida aberta minha extensão polar minha floresta meu fogo minha única alegria minha América e meu Brasil minha vela acesa minha candeia minha casa meu lugar habitável minha mesa posta minha toalha de linho minha cobra minha figura de andor meu anjo de Boticelli meu mar meu feriado meu domingo de Ramos meu Setembro de vindimas meu moinho no monte meu vento norte meu sábado à noite meu diário minha história de quadradinhos meu recife de Manuel Bandeira minha Pasargada meu templo grego minha colina meu verso de Höderlin meu gerânio meus olhos grandes de noite minha linda boca macia dupla como uma concha fechada meus seios suaves e carnudos meu enxuto ventre liso minhas pernas nervosas minhas unhas polidas meu longo pescoço vivo e ágil minhas palavras segredadas meu vaso etrusco minha sala de castelo espelhada meu jardim minha excitação de risos minha doce forquilha de coxas minha eterna adolescente minha pedra brunida meu pássaro no mais alto ramo da tarde meu voo de asas minha ânfora meu pão de ló minha estrada minha praia de Agosto minha luz caiada meu muro meu soluço de fonte meu lago minha Penélope meu jovem rio selvagem meu crepúsculo minha aurora entre ruínas minha Grécia minha maré cheia minha muralha contra as ondas meu véu de noiva minha cintura meu pequenino queixo zangado minha transparência de tules minha taça de oiro minha Ofélia meu lírio meu perfume de terra meu corpo gémeo meu navio de partir minha cidade meus dentes ferozmente brancos minhas mãos sombrias minha torre de Belém meu Nilo meu Ganges meu templo hindu minha areia entre os dedos minha aurora minha harpa meu arbusto de sons meu país minha ilha minha porta para o mar meu manjerico meu cravo de papel minha Madragoa minha morte de amor minha Ana Karénine minha lâmpada de Aladino minha mulher.
A. Lobo Antunes em Cartas da Guerra. D'este Viver Aqui Neste Papel Descripto
sexta-feira, 26 de agosto de 2016
terça-feira, 23 de agosto de 2016
quarta-feira, 17 de agosto de 2016
quarta-feira, 10 de agosto de 2016
segunda-feira, 1 de agosto de 2016
Do silêncio
Para cá de mim e para lá de mim, antes e depois.
E entre mim eu, isto é, palavras,
formas indecisas
procurando um eixo que
lhes dê peso, um sentido capaz de conter
a sua inocência,
uma voz (uma palavra) a que se prender
antes de se despedaçarem
contra tanto silêncio.
São elas, as tuas palavras, quem diz "eu";
se tiveres ouvidos suficientemente privados
podes escutar o seu coração
pulsando sob a palavra da tua existência,
entre o para cá de ti e o para lá de ti.
Tu és aquilo que as palavras ouvem,
ouves o teu coração (as tuas palavras "o teu coração")?
E entre mim eu, isto é, palavras,
formas indecisas
procurando um eixo que
lhes dê peso, um sentido capaz de conter
a sua inocência,
uma voz (uma palavra) a que se prender
antes de se despedaçarem
contra tanto silêncio.
São elas, as tuas palavras, quem diz "eu";
se tiveres ouvidos suficientemente privados
podes escutar o seu coração
pulsando sob a palavra da tua existência,
entre o para cá de ti e o para lá de ti.
Tu és aquilo que as palavras ouvem,
ouves o teu coração (as tuas palavras "o teu coração")?
Tanto silêncio de Manuel António Pina
domingo, 24 de julho de 2016
Para aí viver mil vezes...
Agora que estou cansado do dia
Desejo ardentemente receber, feliz,
A noite estrelada
Como uma criança que cai no sono.
Mãos, detende a vossa azáfama.
Mente, esquece todo o pensamento.
Agora os meus sentidos
Só querem mergulhar na sonolência
E a minha alma liberta
voar livremente
Na esfera mágica da noite
Para aí viver mil vezes
Poema Beim Schlafengehen de Hermann Hesse, tradução livre de Paulo Varela Gomes em Passos perdidos.
quarta-feira, 20 de julho de 2016
Obsessões...
(...) as ilhas são os lugares dos obsessivos e dos obstinados, sítios onde voltam a germinar manias mortas como líquenes em pátios onde não bate o Sol. Nas ilhas há horizonte mas não há saida.
Em Passos perdidos de Paulo Varela Gomes
domingo, 17 de julho de 2016
quinta-feira, 14 de julho de 2016
sexta-feira, 8 de julho de 2016
quinta-feira, 7 de julho de 2016
quarta-feira, 6 de julho de 2016
Yo te cielo
¿Se pueden inventar verbos? Quiero decirte uno: Yo te cielo.
Frida Khalo 6 de julho de 1907 - 13 de julho de 1954
segunda-feira, 4 de julho de 2016
No Entardecer dos Dias de Verão...
No entardecer dos dias de Verão, às vezes,
Ainda que não haja brisa nenhuma, parece
Que passa, um momento, uma leve brisa...
Mas as árvores permanecem imóveis
Em todas as folhas das suas folhas
E os nossos sentidos tiveram uma ilusão,
Tiveram a ilusão do que lhes agradaria...
Alberto Caeiro, in O Guardador de Rebanhos - Poema XLI
terça-feira, 28 de junho de 2016
terça-feira, 14 de junho de 2016
O essencial...há mais de 2 mil anos e agora.
Se não tivermos a noção da morte, estamos sempre a ser hipnotizados, embriagados, numa espécie de urgência que nos atira para a periferia do nosso caminho. Devemos recordar-nos, diariamente: atenção, não te esqueças que vais morrer. E depois actuar de acordo com isso...
Referência Aqui de Gonçalo M. Tavares às Cartas a Lucílio de Séneca.
quinta-feira, 2 de junho de 2016
Do aroma do tempo lento...
O paradoxo consiste em que tudo é um presente simultâneo, tudo tem a possibilidade, ou deve tê-la, de ser agora. O presente abrevia-se, perde a duração. O seu quadro temporal é cada vez mais pequeno. Tudo urge simultaneamente no presente. O que tem como consequência uma aglomeração de imagens, acontecimentos e informações que tornam impossível qualquer demora contemplativa. É assim que a fazer zapping nos movemos no mundo.
Byung-Chul Han, em O Aroma do Tempo, Relógio D'Água
sábado, 28 de maio de 2016
Hoje, enquanto morrias comecei e acabei um livro...
Senti a urgência em ler-te há dias quando me disseram que não durarias uma semana e relembrei as palavras.
Dizias que sempre soubeste que era eu a forte a que sabia o que queria, mas foste tu o que escolheu sem dúvida e o que foi forte até ao fim.
Em mim ficarás sempre num sorriso.
Dizias que sempre soubeste que era eu a forte a que sabia o que queria, mas foste tu o que escolheu sem dúvida e o que foi forte até ao fim.
Em mim ficarás sempre num sorriso.
Rui 1971-2016
domingo, 22 de maio de 2016
domingo, 15 de maio de 2016
sexta-feira, 13 de maio de 2016
[e] tardámos no beijo que a boca pedia...
Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca tardando-lhe o beijo morria.
Quando à boca da noite surgiste na tarde qual rosa tardia
Quando nós nos olhámos, tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos, unidos, ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia.
[...]
...meu amor nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto...
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca tardando-lhe o beijo morria.
Quando à boca da noite surgiste na tarde qual rosa tardia
Quando nós nos olhámos, tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos, unidos, ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia.
[...]
...meu amor nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto...
Ary dos Santos, excerto de As Palavras das Cantigas
terça-feira, 10 de maio de 2016
O que foi não é nada, e lembrar é não ver...
Antes o vôo da ave, que passa e não deixa rasto,
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não está e por isso de nada serve,
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.
A recordação é uma traição à Natureza,
Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.
Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não está e por isso de nada serve,
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.
A recordação é uma traição à Natureza,
Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.
Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!
Antes o Vôo da Ave de Alberto Caeiro, em O Guardador de Rebanhos - Poema XLIII
Porque estão a chegar as andorinhas e outras avezinhas.
Porque estão a chegar as andorinhas e outras avezinhas.
segunda-feira, 9 de maio de 2016
Do esquecimento...
Há um mundo que pertence à margem do Letes.
Esta margem é a memória.
É o mundo dos romances e o das sonatas, o do prazer dos corpos nus que amam a persiana meio-fechada, ou o do sonho, que gosta dela ainda mais encostada, até simular a escuridão da noite ou a inventá-la.
É o mundo das pegas sobre as sepulturas.
É o mundo da solidão que a leitura dos livros ou a audição da música requerem.
O mundo do silêncio tépido e da penumbra ociosa onde vagueia e subitamente se excita o pensamento.
Esta margem é a memória.
É o mundo dos romances e o das sonatas, o do prazer dos corpos nus que amam a persiana meio-fechada, ou o do sonho, que gosta dela ainda mais encostada, até simular a escuridão da noite ou a inventá-la.
É o mundo das pegas sobre as sepulturas.
É o mundo da solidão que a leitura dos livros ou a audição da música requerem.
O mundo do silêncio tépido e da penumbra ociosa onde vagueia e subitamente se excita o pensamento.
As Sombras Errantes, de Pascal Quignard
sexta-feira, 6 de maio de 2016
quinta-feira, 5 de maio de 2016
quarta-feira, 4 de maio de 2016
marcas...
Há homens com quem se pode aprender a ver aquilo que dentro de nós existe e não sabíamos. Reconhecemos-los pelo olhar. Quando se aproximam, a noite reflecte-se clara nos nossos rostos. Têm gestos lentos, precisos, como os dos deuses marinhos que habitaram, além, no mar rente à ilha. Às vezes, quando à hora do calor durmo debaixo duma árvore, aparecem-me em sonhos. Contam que são homens sempre de passagem. Não pertencem a lugar nenhum e raramente pernoitam duas vezes de seguida no mesmo sítio. São homens errantes e muito antigos. Deslocam-se como se fossem sombras. Transportam no coração a euforia de quem viaja. Uma noite conheci um desses homens e toquei-lhe. Veja a queimadura que me deixou nos dedos. Está a ver? Por isso não saio daqui. Guardo e vigio a ilha - como se ela precisasse do meu olhar para se manter um ser vivo. Passo os dias dizendo, em voz alta, os nomes das plantas e dos animais, assim... como se rezasse. E, uma noite, do fundo marinho da ilha virá outro homem, ou um deus, para me ensinar mais coisas sobre estas terras.Vivo nesta charneca que se estende na Cabeça da Cabra até ao mar. Olho fixamente a ilha, mesmo durante a noite, quando ela tem o perfil duma cabeça deitada sobre as águas. Deixo a vida escoar-se ao ritmo das migrações das aves. E ao fim de muitos anos descobri que a ilha é um lugar que cresceu, misteriosamente, dentro de mim. O meu corpo transformou-se em ilha. Olho a ilha, sou a ilha. Mas não te quero demorar mais. Se quiseres, antes de seguires viagem, ensino-te os nomes dos animais. E se me deres a tua mão, queimar-te-ei os dedos, exactamente como queimaram os meus. Depois, poderás partir por essa linha litoral traçada pelo fogo da pele.
O Guardador da Ilha em O Anjo Mudo, de Al Berto
quinta-feira, 28 de abril de 2016
terça-feira, 26 de abril de 2016
Batráquios à solta no Indie...
Simultaneamente estranhos e familiares, distantes e próximos, inquietantes e sedutores, marginais e cosmopolitas, os ciganos apresentam-se envoltos numa aura de ambiguidade. Não se pode dizer que sejam invisíveis, pois dificilmente passam despercebidos.
Daniel Seabra Lopes, em Deriva Cigana, 2008
Tal como os ciganos, os sapos de loiça não passam despercebidos a um olhar mais atento. Balada de um Batráquio surge assim num contexto ambíguo. Um filme que intervém no espaço real do quotidiano português como forma de fabular sobre um comportamento xenófobo.
domingo, 24 de abril de 2016
sexta-feira, 22 de abril de 2016
(...)
All good things that say, never last
And love, it isn't love until it's past
the artist formerly known as prince ( 1958 - 2016)
quinta-feira, 21 de abril de 2016
terça-feira, 19 de abril de 2016
sábado, 16 de abril de 2016
quarta-feira, 13 de abril de 2016
terça-feira, 12 de abril de 2016
Tu viens et le temps glisse...
Anaïs,
Tout ce que je peux dire, c’est que je suis fou de toi. J’ai essayé d’écrire une lettre — sans y parvenir. Je t’écris sans arrêt — dans ma tête — et les jours passent et je me demande ce que tu vas penser. J’attends avec impatience de te voir. Mardi est si loin. Et pas seulement mardi — je me demande quand tu vas enfin passer une nuit ici, quand je pourrai t’avoir à moi pour un long, long moment ; c’est une torture de te voir ainsi quelques heures et puis de devoir te rendre. Quand je te vois, tout ce que je voulais te dire s’envole — le temps est si précieux et les mots sont en dehors de la question. Pourtant tu me rends si heureux — parce que avec toi je peux parler. J’aime ton intelligence, ta préparation à l’envol, tes jambes comme un étau et la chaleur entre tes cuisses. Oui, Anaïs, je veux te démasquer. Je suis trop galant avec vous. Je veux vous regarder longtemps et ardemment, ramasser votre robe, vous cajoler, vous examiner en détail. Sais-tu que je t’ai à peine regardée ? Il y a encore trop de sacré lié à ta personne.
Votre lettre — ah ! ces mouches ! Vous me faites sourire. Et tu me fais t’adorer aussi. C’est vrai. Je ne t’apprécie pas assez. C’est vrai. Mais je n’ai jamais dit que tu ne m’appréciais pas. Je crois qu’il doit y avoir un faux sens dans ton anglais. Ce serait trop égoïste de ma part de dire cela.
Anaïs, je ne sais pas comment te décrire ce que j’éprouve. Je vis dans une attente perpétuelle. Tu viens et le temps glisse comme dans un rêve. C’est quand tu t’en vas que je prends vraiment conscience de ta présence. Et alors il est trop tard. Tu m’engourdis.
[...]
Henry
Tout ce que je peux dire, c’est que je suis fou de toi. J’ai essayé d’écrire une lettre — sans y parvenir. Je t’écris sans arrêt — dans ma tête — et les jours passent et je me demande ce que tu vas penser. J’attends avec impatience de te voir. Mardi est si loin. Et pas seulement mardi — je me demande quand tu vas enfin passer une nuit ici, quand je pourrai t’avoir à moi pour un long, long moment ; c’est une torture de te voir ainsi quelques heures et puis de devoir te rendre. Quand je te vois, tout ce que je voulais te dire s’envole — le temps est si précieux et les mots sont en dehors de la question. Pourtant tu me rends si heureux — parce que avec toi je peux parler. J’aime ton intelligence, ta préparation à l’envol, tes jambes comme un étau et la chaleur entre tes cuisses. Oui, Anaïs, je veux te démasquer. Je suis trop galant avec vous. Je veux vous regarder longtemps et ardemment, ramasser votre robe, vous cajoler, vous examiner en détail. Sais-tu que je t’ai à peine regardée ? Il y a encore trop de sacré lié à ta personne.
Votre lettre — ah ! ces mouches ! Vous me faites sourire. Et tu me fais t’adorer aussi. C’est vrai. Je ne t’apprécie pas assez. C’est vrai. Mais je n’ai jamais dit que tu ne m’appréciais pas. Je crois qu’il doit y avoir un faux sens dans ton anglais. Ce serait trop égoïste de ma part de dire cela.
Anaïs, je ne sais pas comment te décrire ce que j’éprouve. Je vis dans une attente perpétuelle. Tu viens et le temps glisse comme dans un rêve. C’est quand tu t’en vas que je prends vraiment conscience de ta présence. Et alors il est trop tard. Tu m’engourdis.
[...]
Henry
Excerto de carta de Henry Miller a Anaïs Nin
sexta-feira, 8 de abril de 2016
e talvez o mundo pare de acabar tão depressa.
Vem à Quinta-feira
É quase fim-de-semana e podemos, talvez, beber uma cerveja
ao cair da tarde, enquanto planeamos a viagem a Paris. E se Paris
for muito caro - sei que isto não está fácil - podemos ir a Guimarães
assistir a um concerto, que ouvir é a maneira mais pura de calar.
Vem à Quinta-feira.
A seguir, temos ainda a Sexta e talvez me esperes à porta do emprego,
e talvez fiques para Sábado e Domingo, e talvez o mundo pare
de acabar tão depressa.
Vem à Quinta-feira.
Mas não venhas nesta, vem na próxima.
Nesta, tenho um compromisso que não posso adiar, é um compromisso
profissional - sabes que isto não está fácil - e talvez nos dê hipótese de irmos
a Paris ou a Guimarães. Vem na próxima, que eu preciso de tempo
para arranjar o cabelo, para arranjar o coração,
para elaborar a lista do que me falta fazer contigo.
Vem à Quinta-feira e não te demores.
Enquanto te escrevo, já fui elaborando a lista
(sabes como gosto de pensar em tudo
ao mesmo tempo)
e afinal o que me falta fazer contigo
não é caro:
- viajar de auto-caravana,
- dançar pela Estrada Nacional,
- ver-te chorar.
Choras tão pouco. Ainda bem que estás contente.
Vem à Quinta-feira.
Se não pudermos ir a Paris ou a Guimarães, não te preocupes.
Vem na mesma, que eu vou apanhando as canas-da-índia, as fiteiras,
eu vou recolhendo a palha e reunindo cordas e lona.
Já estive a aprender no Youtube como se faz uma cabana.
Vem na mesma, que eu vou procurando um lugar seguro.
Vem na mesma porque a cabana, como a casa, só funciona com amor
- ou, pelo menos, é o que diz o Youtube.
Temos ainda tanto para fazer.
Por isso, se algum dia voltares, meu amor, volta numa Quinta.
É quase fim-de-semana e podemos, talvez, beber uma cerveja
ao cair da tarde, enquanto planeamos a viagem a Paris. E se Paris
for muito caro - sei que isto não está fácil - podemos ir a Guimarães
assistir a um concerto, que ouvir é a maneira mais pura de calar.
Vem à Quinta-feira.
A seguir, temos ainda a Sexta e talvez me esperes à porta do emprego,
e talvez fiques para Sábado e Domingo, e talvez o mundo pare
de acabar tão depressa.
Vem à Quinta-feira.
Mas não venhas nesta, vem na próxima.
Nesta, tenho um compromisso que não posso adiar, é um compromisso
profissional - sabes que isto não está fácil - e talvez nos dê hipótese de irmos
a Paris ou a Guimarães. Vem na próxima, que eu preciso de tempo
para arranjar o cabelo, para arranjar o coração,
para elaborar a lista do que me falta fazer contigo.
Vem à Quinta-feira e não te demores.
Enquanto te escrevo, já fui elaborando a lista
(sabes como gosto de pensar em tudo
ao mesmo tempo)
e afinal o que me falta fazer contigo
não é caro:
- viajar de auto-caravana,
- dançar pela Estrada Nacional,
- ver-te chorar.
Choras tão pouco. Ainda bem que estás contente.
Vem à Quinta-feira.
Se não pudermos ir a Paris ou a Guimarães, não te preocupes.
Vem na mesma, que eu vou apanhando as canas-da-índia, as fiteiras,
eu vou recolhendo a palha e reunindo cordas e lona.
Já estive a aprender no Youtube como se faz uma cabana.
Vem na mesma, que eu vou procurando um lugar seguro.
Vem na mesma porque a cabana, como a casa, só funciona com amor
- ou, pelo menos, é o que diz o Youtube.
Temos ainda tanto para fazer.
Por isso, se algum dia voltares, meu amor, volta numa Quinta.
Filipa Leal
segunda-feira, 4 de abril de 2016
Sim, é para sempre...
Das ilusões do tempo e do espaço surgimos eu e tu, atemporais...
E o que temos permanecerá eternamente e o que vivemos nos últimos 7 anos manter-se-à vivo para sempre.
quinta-feira, 31 de março de 2016
Sim, avó permaneço um fervilhão...
Os nómadas não têm quatro estações.
Só têm uma, a Primavera e é isso que perseguem durante toda a vida, o nascer, o despontar das coisas. Eles só acreditam no nascimento.
Num eterno nascimento.
Estão sempre a nascer. Não envelhecem, nem morrem.
Todos os seus estágios são maneiras de florir. [...]
Um nómada, quando parece dizer adeus, está na verdade a dizer bom dia. Não tem outro cumprimento.
Só têm uma, a Primavera e é isso que perseguem durante toda a vida, o nascer, o despontar das coisas. Eles só acreditam no nascimento.
Num eterno nascimento.
Estão sempre a nascer. Não envelhecem, nem morrem.
Todos os seus estágios são maneiras de florir. [...]
Um nómada, quando parece dizer adeus, está na verdade a dizer bom dia. Não tem outro cumprimento.
Excerto de Paralaxe de Afonso Cruz, no JL de 14 a 27 de outubro de 2015
sexta-feira, 25 de março de 2016
quinta-feira, 24 de março de 2016
Por caminhos marafados...
25 kms de amêndoas, e mar, e figueiras, e cal, e formosos braços de ria, e risadas, e descobertas, e noras, e veredas decoradas de flores...
segunda-feira, 21 de março de 2016
sábado, 19 de março de 2016
segunda-feira, 14 de março de 2016
5...
Nesse verão, o vento despenteou os campos e os barcos
andaram aos gritos sobre as ondas. A beleza excessiva
das crianças arrombou os espelhos; e as raparigas,
surpreendendo a intimidade dos pais, enlouqueceram
nos corredores e foram perder-se, também elas,
na volúpia dos dias. Nas árvores centenárias,
rebentaram frutos que inflamavam a concha das mãos
e escorregavam para boca com a pressa dos nomes
proibidos. O sol queimou as páginas do livro
interrompido na violência de um poema e revirou
os cantos do único retrato que resistira à moldura
do tempo. De noite, os rapazes deitam-se à baías
atrás de estrelas; e os amantes, incomodados
com a exiguidade dos quartos, foram fazer amor
nos balneários frios da praia e acordaram nas vozes
um do outro. Já não sei o que disse e o que disseste:
o verão desarrumou os sentimentos.
andaram aos gritos sobre as ondas. A beleza excessiva
das crianças arrombou os espelhos; e as raparigas,
surpreendendo a intimidade dos pais, enlouqueceram
nos corredores e foram perder-se, também elas,
na volúpia dos dias. Nas árvores centenárias,
rebentaram frutos que inflamavam a concha das mãos
e escorregavam para boca com a pressa dos nomes
proibidos. O sol queimou as páginas do livro
interrompido na violência de um poema e revirou
os cantos do único retrato que resistira à moldura
do tempo. De noite, os rapazes deitam-se à baías
atrás de estrelas; e os amantes, incomodados
com a exiguidade dos quartos, foram fazer amor
nos balneários frios da praia e acordaram nas vozes
um do outro. Já não sei o que disse e o que disseste:
o verão desarrumou os sentimentos.
Maria do Rosário Pedreira
sexta-feira, 11 de março de 2016
quinta-feira, 10 de março de 2016
...um fio de tempo
Em breve partirei de novo
e caminharei por desertos e por desastres
e por leituras exasperadas e citações,
entre palavras, sem ninguém real que me espere e me abra a porta.
O jantar arrefecerá na mesa,
os meus livros desesperarão
e não haverá sentido que os conforte
e o meu nome, se tiver um nome, não me responderá.
E no entanto um fio de tempo ou um fio de sangue,
ou então algo ainda menos palpável,
o que partiu e o que ficou regressando um ao outro
por galerias intermináveis e sonhos desfigurados,
ausentes um do outro, desaparecendo um no outro
como se esgota a água no fundo de um poço.
e caminharei por desertos e por desastres
e por leituras exasperadas e citações,
entre palavras, sem ninguém real que me espere e me abra a porta.
O jantar arrefecerá na mesa,
os meus livros desesperarão
e não haverá sentido que os conforte
e o meu nome, se tiver um nome, não me responderá.
E no entanto um fio de tempo ou um fio de sangue,
ou então algo ainda menos palpável,
o que partiu e o que ficou regressando um ao outro
por galerias intermináveis e sonhos desfigurados,
ausentes um do outro, desaparecendo um no outro
como se esgota a água no fundo de um poço.
Talvez de noite 2. de Manuel António Pina
quarta-feira, 2 de março de 2016
terça-feira, 1 de março de 2016
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016
Pode um beijo abrir toda uma vida?
Não quero o primeiro beijo:
basta-me
O instante antes do beijo.
Quero-me
corpo ante o abismo,
terra no rasgão do sismo.
O lábio ardendo
entre tremor e temor,
o escurecer da luz
no desaguar dos corpos:
o amor
não tem depois.
Quero o vulcão
que na terra não toca:
o beijo antes de ser boca.
basta-me
O instante antes do beijo.
Quero-me
corpo ante o abismo,
terra no rasgão do sismo.
O lábio ardendo
entre tremor e temor,
o escurecer da luz
no desaguar dos corpos:
o amor
não tem depois.
Quero o vulcão
que na terra não toca:
o beijo antes de ser boca.
Mia Couto, in Tradutor de Chuvas
terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
Sometimes...a wind blows
Io non ho bisogno di denaro
ho bisogno di sentimenti
di parole
di parole scelte sapientemente
di fiori detti pensieri
di rose dette presenze
di sogni che abitino gli alberi
di canzoni che facciano danzare le statue
di stelle che mormorino
all'orecchio degli amanti.
Ho bisogno di poesia
questa magia che brucia
la pesantezza delle parole
che risveglia le emozioni e dà colori nuovi.
Io non ho bisogno di denaro de Alda Merini
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
Le Flâneur...
Quando, novinho, olhei para o espelho, hei-de ter percebido que não era pelo sex-appeal que havia de seduzir os outros. Não foi por isso que desesperei. Ou que desisti de seduzir. Aos cinco anos, tratou-me da asma em Madrid um médico extraordinário, (…) D. Gregorio Marañon. E há-de ter sido por essa altura que a mim próprio disse: velho, isso mesmo, velho é isso o que eu quero ser. E não é que isso seja difícil, pois todos os dias o consigo: ser mais velho. Com todas as características que se atribuem a essa categoria desde sempre em vias de extinção: caturra, vigilante, embirrento, resmungão, quezilento, complicado, solitário, memória de elefante, injusto, parcial, citação pronta e anedota ilustrativa para qualquer caso da vida, colhendo as tempestades dos ventos que em novo semeei, com má fama e desleixado no vestir ou na barba por fazer. Mauzinho. Assim escondo (ou penso suplantar) a juvenil graça que me faltou, o músculo tenso, e deixo a barriga crescer ao sabor dos doces da casa que em qualquer cidade do mundo, Sevilha, Berlim, Lisboa, acabo sempre por descobrir com todo o colesterol possível. Vivo sozinho e desarrumado, procurar um livro, encontrar uma cassete é um quebra-cabeças nesta casa grande onde moro, perto do Rato e do Marquês. Os meus amigos têm a chave de minha casa, e há chaves espalhadas de Cracóvia a Antuérpia, Berlim, Paris, Cacilhas, Estocolmo, Madrid. Ou no escritório. (…) Gosto de conversar e mais ainda gosto de desconversar. Gosto de passear. Sozinho mas também com outros mas não com muita gente. Um dia hei-de voltar a Roma. (…) Não tenho gato mas talvez um dia me decida, que é de gatos que eu gosto, de os olhar e à sua majestade. Porque gostava de ser lembrado como alguém que, como os gatos, se passeou. Um "flâneur".
E gostava de escrever com a independência do Garrett. O Garrett das Viagens, também passeante. Passeante pela vida, como os gatos. Mas a envelhecer embirrento, como os homens.
Será parecido com isto este filme? Assim o tentarei, passeando…
E gostava de escrever com a independência do Garrett. O Garrett das Viagens, também passeante. Passeante pela vida, como os gatos. Mas a envelhecer embirrento, como os homens.
Será parecido com isto este filme? Assim o tentarei, passeando…
Jorge Silva Melo a propósito deste filme...
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016
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