sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Urbano 1923-2013

Tu és a alegria primordial, a liberdade absoluta, que eu não aguento longe de mim, noutros cenários, noutros convívios, dando a alguém que não eu a vida inteira o afecto que de ti transbordam.
Sei que este amor é excessivo e devia poder controlá-lo (ninguém esgota ninguém), que posso eu contra o facto de tu viveres sempre o presente e estares bem onde estás, com quem estás, na mais inocente das relações ou, quem sabe, na mais subitamente intensa?!
Simplesmente sofro. Um dia acordarei talvez de olhos secos e frios e dir-me-ei: “Consigo viver por mim e sorrir mesmo sem ti e olhar a vida como um jardim ligeiro, onde há plantas e flores voltadas para mim. Conseguirei? Pouco mais vejo no ecrã do mundo que não sejas tu ou as coisas que tu vês e que eu quero só para ti.
(…)
Agora dirás talvez a outro as palavras que nunca me disseste. As caricaturas humanas transformaram-se, ou mudam de repente, e tu és tão imediata, inteira e radical nos teus gestos que de um momento para o outro podes alterar a rota. Ou não? Eu serei aquele que está certo, seguro, lá longe (aqui ao pé do mar), enquanto a vida nova e excitante fluí ao teu lado, ou nem isso: serei apenas aquele que findou, o tempo sobre o qual cai o pano. Estou decerto exagerando, rente ao masoquismo. Eu sei que não consigo, neste desterro por nos escolhido, imaginar-te, a chama que tu és, dando ao desbarato sorrisos, superlativos, movimentos e palavras quentes, a outros amigos, presa noutros afazeres e noutros ócios, noutra existência, tu que tão depressa e desprevenidamente te afeiçoas e inventas as pessoas, tu que és ao mesmo tempo grito, solidariedade, indignação, carinho e desprendimento…
Urbano Tavares Rodrigues excerto de a Margem da Ausência

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